quarta-feira, 2 de junho de 2010

306 norte - continuação


O meu quarto era invadido por luzes que refletiam no teto deixando uma aparência azulada em todo o cómodo. Estas luzes eram provenientes de um posto de gasolina que funcionava vinte e quatro horas e que ficava na rua que dava acesso a entrada da quadra. Nas noites quentes e secas de Brasília, incomodado pela invasão de mosquitos, que entravam em bandos pelas janelas, algumas vezes sem sono e ficava observando o movimento naquele local. O posto, nos finais de semana, era ponto de encontro da rapaziada que paravam seus carros ali, ligavam o som no último volume, acordando um bocado de gente. Uma vez, me lembro de um sargento que saiu para reclamar, e provocou um verdadeiro tumulto no local, sendo necessário a presença da polícia para acalmar os ânimos.Sair cedinho para a padaria, já era uma tarefa minha. Atravessava a W3 vazia, para comprar pão e dois litros de leite da marca Gogó, pasteurizado e embalado em saquinhos de plástico, bem diferente do que tomávamos em Juiz de Fora, entregue de carroça pelo leiteiro, em garrafas de vidro. Meu pai dizia que cada dia ele, o leiteiro, misturava mais água ao leite. Era só brincadeira, crescemos tomando aquele leite, sem nenhum problema. Em 1968 a W3 era tão vazia, que por vezes organizávamos as nossa “peladas” ali, bem no meio da rua, pois quase não tinha movimento de veículos. Quando aparecia um carro, interrompíamos o jogo deixando o veículo passar, depois continuávamos novamente. Tento imaginar estas cenas nos dias de hoje. Seriamos todos atropelados, pelo progresso.Um acontecimento muito importante para nós, foi quando montaram um parque de diversões do outro lado da rua, bem em frente a nossa quadra. Era uma oportunidade ímpar, pois divertimento, em Brasília nesta época, era algo raro. À tardinha, antes do anoitecer, de banho tomado e bem arrumados, atravessamos a rua para conhecer o lugar. Mamãe estava conosco, e era ela quem comprava os ingressos para os brinquedos. Uma espécie de barca de madeira que subia e descia carregada de gente, era a mais concorrida muita gente curtia a brincadeira, tinha também o trem fantasma, o carrocel e a roda-gigante. Mas a minha barraca predileta era a do tiro-ao-alvo. Uma espingarda velha e quase sem pressão disparava rolhas desgovernadas, que saiam do cano em zig-zag e sempre erravam a mira. Eu reparei que algumas pessoas colocavam tachinha na rolha para elas ficarem mais pesadas, o que melhorava a pontaria. Fiz isso e deu certo. Minhas irmãs ganharam bichos de pelúcia neste dia.Dois anos passaram rapidamente e tivemos que trocar de bairro. Foi uma despedida dolorosa, pois todo nós estávamos bem acostumados com a convivência nesta quadra. Os amigos, as brincadeiras, a namorada, e a escola, tudo isso foi ficando para trás. Mudamos em fevereiro de 1970, e eu só retornei para uma visita breve ao amigos, no mês de maio, quando fui na bicicleta que ganhei de aniversário. Eu, acompanhado de outros dois amigos, pedalamos do setor militar até la, pegando atalho pelo mato, onde hoje fica o autódromo, e o departamento de transito do distrito federal. Dei uma volta completa, revi amigos e retornei mais tarde, feliz da vida. Foi a última vez. Não lembro de ter voltado por lá naquele ano. As visitas foram ficando cada vez mais raras, a medida que os meus amigos se mudavam. O ano passava rapidamente, e em meados de setembro, recebemos a visita do major Jorge, chefe do serviço de embarque, e consequentemente, chefe do meu pai. Ao ser apresentado a este senhor, sem nenhum constrangimento, pedi a ele que me arranjasse um emprego. Ele prometeu e cumpriu. No dia dezessete de novembro deste mesmo ano, ainda com quinze anos de idade, começava a carreira de office-boy na empresa de mudanças As Preferidas, de propriedade do Sr. Júlio, com sede no Rio de Janeiro e com filial em algumas capitais do país. O meu serviço não era lá estas coisas todas, e eu ganhava só a metade do salário mínimo. O escritório ficava na Galeria Amazonas, no Setor Comercial Sul, no centro da cidade. Lá eu lavei banheiros, o vidro da entrada, varria os tapetes, e fazia serviço externo como pagamento bancário e serviços de cartório, entre outras coisas. O gerente Sr. Aloisio, comprou um manual de datilografia, e sugeriu que eu treinasse nas horas de folga. Em pouco tempo eu já sabia escrever nas máquinas eletricas, as mais modernas que haviam. Este gerente, demonstrava que gostava de mim. Sempre tentava de um jeito ou de outro me ajudar, porém eu era muito tímido, e isso me atrapalhava um pouco. Eu tinha vergonha de quase tudo. Até de almoçar com eles. Quando era convidado, arrumava sempre uma desculpa para não ir. Meu almoço por muitas vezes, era um copo de vitamina com pão e manteiga. Não que eu não tivesse o dinheiro do almoço, mais era por pura vergonha de me sentar a mesa nestes lugares.Morria de medo de “pagar um mico” na frente dos outros. Mas aos poucos, fui vencendo a timidez, e antes mesmo de completar um ano como office-boy, fui promovido para um trabalho externo, que consistia em fazer a vistoria dos móveis na casa dos clientes. Junto com meu instrutor, o Luiz Augusto, fui aprendendo a técnica de calcular a metragem dos móveis que seriam transportados, assim como definir o tipo de embalagem ideal para cada um deles. Quando o dono da empresa, Sr. Julio, desembarcou em Brasília para uma visita técnica, onde pretendia abrir uma filial na cidade de Goiânia, fui convidado para compor o grupo que visitaria aquela cidade. E assim, confortavelmente sentado no banco dianteiro do Dodge Dart prêto, viajei com eles para o Goiás. Quando cheguei em Goiânia, lembro até da musica que tocava no rádio do carro. Have You Ever Seen The Rain, do Credence. Gostei tanto desta cidade, que ainda hoje, sempre que posso, aproveito por la o final de semana.

3 comentários:

  1. Ai, que amor de relato!! fiquei encantada com o começo de sua carreira profissional!! Você já foooi tímido??!!! As lembranças mais remotas que tenho sua, já é com um violão embaixo do braço, barba e namorando todas as meninas das redondezas... com certeza nessa época a timidez não passava nem perto!!!!!
    Viajei no tempo com os leites em saquinho Gogó!! rss demais!!
    Puxa, Gulla, tá muito legal isso!!!
    Beijos de sua, já, fã!!!!

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  2. Realmente timidez não combina em nada com voce. Sempre que leio seu blog faço uma viajem ao tunel do tempo, coisas completamente esquecidas voltam a tona. Lembrei do parquinho com detalhes, o tanto que gritei no trem fantasma. Esta otimo, fico aguardando o proximo.

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  3. eita, não lembro nada disso... mas imagino o quanto foi importante para voce essa fase, e o quanto valeu para o que voce é hoje, essa pessoa maravilhosa, de bem com a vida e definitivamente sem timidez, rsrs...
    que delícia de relato, que maravilha conhecer essas histórias. Valeu demais mano, voce é realmente um cara iluminado!!!

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