terça-feira, 22 de junho de 2010

Um passeio ao Rio de Janeiro

Uma ferida apareceu bem no meio da minha canela. Era feia que doía, e não sarava de jeito nenhum. Formava uma casca grossa e escura, eu coçava e ela caia, depois sangrava, criava casca e começava tudo de novo. Isso foi no ano de 1966 eu ainda iria completar 11 anos, e meu pai trabalhava no Hospital Central do Exercito, no Rio de Janeiro. Nós morávamos em Juiz de Fora com mamãe, e ele todo final de semana vinha nos visitar. Para tirar o dinheiro da viagem, ele levava de Juiz de Fora, meias para vender no Rio, e do Rio ele trazia umas linguiças para vender em Juiz de Fora. Num final de semana desses que meu pai nos visitava, minha mãe conversou sobre esta ferida, e convenceu o meu pai a me levar para o Rio com ele, para eu ser tratado no HCE. Então eu passaria a semana toda com meu pai lá no Rio. Tudo acertado, lá vai eu e papai às cinco horas da manhã, descendo as ladeiras de Juiz de Fora à pé, rumo a estação rodoviária, para pegar o ônibus para o Rio. Mais uma vez eu me encantava com a estrada Rio-JF, aquelas serras, os rios que nos seguiam pela viagem, era tudo muito bonito. Ainda hoje estas paisagens me enchem os olhos. Quando chegamos no Rio, fomos direto para o bairro de Triagem, onde fica o HCE. Meu primeiro dia, foi dentro deste hospital. O médico examinou a ferida, os enfermeiros fizeram uma limpeza que doeu para cassete, e colocaram umas pomadas e depois enfaixaram. Pronto. Estava tratado e com uma faixa branca na perna. À noite, meu pai me levou para Bento Ribeiro, onde morava um amigo de trabalho. Lembro dele, muito gente boa, sua família me recebeu como se eu fosse seu próprio filho. Neste dia assisti um programa de humor na TV, e fui dormir ainda com dor, devido ao tratamento da perna. No dia seguinte, quando acordei, papai já havia saído para o trabalho, eu fiquei meu sem jeito, mais o filho deste senhor, me chamou para descer e brincar na rua com outros amigos seus. A manhã passou rapidinho e na hora do almoço, papai me falou que não ia trabalhar de tarde, para a gente poder dar uma volta pela cidade. Passeamos de ônibus, por vários lugares do Rio. Lembro da passagem por São Cristóvão, depois pelas praias de Botafogo, Flamengo e por fim Copacabana, onde sentamos num bar que ficava virado para o mar, no posto 6. Meu pai tomava chopp e eu guaraná Antartica. No som do bar tocava a musica Michelle dos Beatles, e em seguida, Que tudo mais vá pro inferno, de Roberto Carlos. Esta eu ouvi pela primeira vez, la no Rio. De frente para o mar, e sem poder entrar na água, pedi a papai para me deixar andar na areia. Meu pai disse que não, por causa do curativo. Mais mesmo assim, eu insisti, e ele me deixou por os pés na areia, só para matar a vontade. Esta semana passou muito rápido. Voltamos para casa, e até hoje ainda tenho no meio da canela da perna esquerda, as marcas desta ferida.
Neste tempo, meu pai pensava em nos levar para morar no Rio. O problema era o prêço dos aluguéis. Tenho a lembrança dele conversando sobre isto com mamãe. Mais meu pai não desistiu da idéia e continuou procurando uma casa para a gente morar. Uma vez ele foi convencido a entrar num empreendimento imobiliário,que estava sendo construído em Paciência, um local bem distante do centro do Rio. Eu cheguei a ver o local ainda em construção. Não sei como meu pai imaginava colocar todos nós naquela construção tão pequena, que mais parecia um pombal.
Era assim: Uma minúscula sala, um banheiro muito pequeno, uma cozinha que praticamente ficava embaixo da escada que dava acesso aos dois quartos lá em cima. Tudo muito pequeno, nem espremendo daria para a gente morar. Mas, o construtora faliu, o negócio não foi pra frente, meu pai amargou um prejuízo, e nosso destino não foi alterado, graças a Deus. Fico imaginando se por acaso, tivesse dado certo. Um dos meus irmãos seria jogador profissional, e hoje estaria talvez treinando um time lá pelas Laranjeiras.Outro seria líder comunitário, e estaria administrando a campanha para vereador. Uma irmã trabalharia na agência Paciência, de algum banco. Será que alguma delas viraria uma passista de escola de samba? Qual delas escreveria contos retratando personagens do bairro? Quem será que iria preparar uma feijoada bem gostosa nos finais de semana? Quem já estaria aposentado? Sei lá! Melhor eu ir logo pegar as cervejas.

8 comentários:

  1. Huahuahua!
    Muito bom Tio!
    Estas indagações no final então...
    De uma coisa eu tenho certeza, não faltariam os sorrisos da família... rs

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  2. Muito bom o texto, só pra variar...
    O que teria acontecido heim??? E eu teria ido fazer faculdade em Brasília provavelmente...

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  3. com certeza o jogador seria Henrique, o líder comunitário seria Edson, a passista Miriam, a bancária Bel e Hugo, a escritora seria Darquinha e a feijoada, claro, seria eu... estou adorando conhecer essas histórias, muito legal mesmo!!!

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  4. Foi o melhor prejuízo que o Kuinha teve na vida dele, com certeza.
    O legal da vida é exatamente esse, não saber o outro lado da moeda, e o melhor é que tantos outros ses... poderiam ter acontecidos.
    já pensou apontador de jogo do bicho
    assessor do Beira-Mar
    jogador do Paciência Esporte Clube
    vendedor de churrasquinho da Central
    e o pior de todos uma família toda
    Flamenguista. Éca Deus sabe o que faz.

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  5. Teresa já deu as minhas respostas!!! Gulla, que memória extraordinária!! não sabia que a gente tinha ficado com mamãe em JF enquanto papai servia no Rio... E o passeio que vocês fizeram no Rio então!!! Deu uma inveja!!!!
    Ai Gulla, tá super legal isso!!!! Vai ter de virar um livro!!!!

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  6. Essa foi muito boa mesmo, fiquei rindo aqui tentando imaginar a cena.Estou imprecionada com sua memoria e com tantos detalhes.
    Já estou curiosa aguardando a proxima.

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  7. Karakoles... me vi no trem, descendo para a Praça XI trocando as linhas até chegar na Portela... quero ser a passista... acho que a vida seria mto legal .. mas.. será que ia ter .. Rodrigo, Rafael, Bia, Tetheus, Gabi.. Marcelinho.. Lulu, Nano, Diogo, Titi, Pipo .... e assim por diante????? Tudo tem o seu propósito... não tem jeito... Como diz Chico Xavier..Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, Qualquer Um pode Começar agora e fazer um novo fim....

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