quinta-feira, 10 de junho de 2010

Brasília - Natal a viagem.

Estava a muito tempo alimentando a vontade de passar uns dias em Natal para rever a família e matar saudades do mar que não via há tempos. Aproveitei o dinheiro que recebi de indenização para comprar as passagens, e logo após as festas natalinas, embarquei num ônibus da viação Planalto na noite do dia 26 de dezembro do ano de 1971. Eu tinha consciência do tempo da viagem que seria de mais ou menos trinta e oito horas e também do péssimo estado em que se encontravam as estradas nas quais teria que passar. O embarque foi divertido e demorado pois alguns destes passageiros carregavam uma verdadeira mudança. Foi um custo acomodar tantas caixas, malas, sacolas e até um fogão novinho em folha, no compartimento de bagagens. Nossa partida atrasou em quase meia hora.
Na madrugada já estávamos sofrendo as consequencias da buraqueira. Era só o começo. Haviam trechos sem asfalto e com barro mole por causa das chuvas que caiam com frequencia nesta época do ano. Essa lama fazia o nosso ônibus tombar de um lado para o outro numa barulheira de molas que doía nos ouvidos. Para piorar a situação, do meu lado viajava um paraibano que estava retornando para a sua terra, depois de ter trabalhado cinco anos em Brasília. Este cidadão a cada parada que o ônibus fazia, tomava umas pingas e depois caia no sono. Vez em quando ele despencava por cima de mim, e eu tinha o maior trabalho para colocá-lo de volta a sua poltrona. E o bafo! Mais isso era detalhes.
Minha maior curtição era observar as mudanças que iam acontecendo na paisagem. Primeiro foram as árvores tortas do cerrado, depois, já em minas, eram as matas nas encostas das serras e os rios que apareciam de vez em quando dando um colorido maravilhoso a viagem. Amanhecemos em Montes Claros ainda em Minas Gerais, onde tomamos o café da manhã. Depois seguimos para a cidade de Teófilo Otoni onde jantamos e fechamos o primeiro dia da viagem.
Tentei dormir esta noite mais foi impossível. O ônibus passava por um trecho muito esburacado e com curvas acentuadas. Foi terrível. Não conseguí pregar os olhos um instante sequer.
Como é grande Minas Gerais! Não sei ao certo quantas horas nós levamos cortando este estado. Curvas, serras, neblina e rios que tocavam suas margens na beira da estrada, dava o toque especial a paisagem. Isto é Minas. As BRs que recortam o estado, estão entre as mais perigosas do país. As que carregam maior índice de acidentes, porém, são as que tem as paisagens mais bonitas. Impossível viajar por Minas sem se encantar.
De repente o nosso veículo entrou num cenário maravilhoso. Um por de sol inesquecível deixou o céu avermelhado na divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia. Estávamos rumando para a cidade de Vitória da Conquista, onde faríamos uma parada demorada. Decidi que eu procuraria um local para tomar banho pois eu já me sentia incomodado com quase dois dias de sujeira e com aquele calor só fazia aumentar. Nesta cidade chegamos a noite, não lembro bem que horas foi exatamente mais já era tarde. Paguei caro por um banho que valeu a pena, jantei e quando encaramos a estrada novamente, cai no sono com vontade.
Quando amanheceu, estávamos deixando pra trás os montes de pedra típicos da chapada diamantina. Uma curiosidade neste local era os leitos dos rios sem água, e também as enormes aranhas caranguejeiras que vez por outra podiam ser vistas atravessando a BR.
A paisagem foi mudando novamente. Apareceram os açudes, as cercas de pau entrelaçados bem típico do nordeste, e a cor da areia mudou de avermelhada para branca. Começou a aparecer gente na beira da rodovia. Muitas crianças só de calção, alguns com pás, fingiam que tapavam buracos no asfalto, para pedir comida e dinheiro. Neste momento o ônibus se arrastava por causa do péssimo estado de conservação. É pena saber que quase quarenta anos depois esta cena se repete. Pouca coisa mudou.
Entramos na Paraíba. Na cidade de Pombal, felizmente o meu companheiro de poltrona desembarcou. Na despedida ele me ofereceu um copo pela metade de cachaça e disse que eu não deveria rejeitar, pois ali onde ele morava, isso era considerado uma grande desfeita e gente morria por isso. E eu, que não queria morrer tão cedo, tomei tudo de uma golada só.
Passamos num vilarejo cheio de bananeiras, e que mais parecia um enorme quintal. Uma maravilha de lugar que marcou esta viagem. Não sei o nome da vila, só sei que era muito bonito. Não tinha asfalto, a estrada era de barro batido e o ônibus circulava entre as folhas desta bananeiras que produziam sombras no local. Ali, crianças brincavam e tomavam banho junto com galinhas, bodes e vacas magras que matavam a sede na beira deste açude.
Horas depois estávamos em Campina Grande. Foi uma parada demorada. O motorista mandou que todos descessem e o veículo foi levado para a garagem onde foi abastecido e lavado. Quase uma hora depois seguimos nossa viagem num veiculo vazio e sem cheiro ruim no banheiro.
Duas horas depois estava dentro de um táxi em Natal, seguindo para a rua São João, onde moravam os meus avós.

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