quinta-feira, 24 de junho de 2010

Padre Frederico - continuação

O bairro Santa Catarina, foi um dos melhores lugares que eu morei até hoje. Com dez anos, eu curti muito esta mudança. Na primeira vez que entrei na casa, fui reparando nos cômodos, no tamanho da sala, na posição dos quartos no corredor, até parecia que eu já havia morada por la. Um lugar que eu gostava muito, era a varanda que ficava nos fundos, logo depois da porta da cozinha. De lá se avistava o bairro de Lourdes, lembro que quando era dia da padroeira, a gente podia ver as luzes das velas dos fiéis iluminando a procissão. Uma pequena escada de cimento, dava acesso ao quintal e ao quarto de dispensa. Esse quintal era uma maravilha. Além de grande, tinha outro lote vazio que descia até a outra ponta da rua, onde terminava num grande muro de placas de cimento. Ali crescia o mato, e sobrava para o meu pai, a árdua tarefa de limpá-lo. Na parte de cima, no recanto do muro, havia um lote de pés de bananeira, que fazia sombra para as nossas brincadeiras. Neste recanto ficava as rodovias por onde circulavam os nossos carrinhos de brinquedo. Em frente a varanda que ficava na frente da casa, tinha um jardim com uma planta arredondada, espinhenta e comprida, que completava o visual da fachada. Na lateral oposta ao quintal, tinha um beco estreito, que fazia toda a extensão da casa, e acabava nos degraus em frente ao quarto de dispensa. Neste canto funcionava a minha fábrica de brinquedos. Com o martelo e um serrote cego, eu construía ali, meus caminhões, máquina de enrolar linha, e armas de brinquedo que faziam o maior sucesso. Eu fabricava as balas de pau, que seriam disparadas com a ajuda de um pedaço de borracha de câmara de ar. O gatilho era de arame, e servia para liberar a bala que ficava apoiada no cabo do revolver. Algum irmão deve se lembrar da dor que estas balas provocavam quando acertavam agente.

Frequentando a praça da rua, começamos a fazer amigos.

As amizades foram começando devagar, e em pouco tempo já tínhamos uma rua inteira de amigos. As brincadeiras eram frequentes e aconteciam sempre nesta pracinha, ou nos terrenos baldios que naquela época existiam em grande quantidade. Também nesta rua ficava o cemitério. A gente assistiu a enterros de muita gente desconhecida. Ficamos acostumados com este ritual, e até usávamos o lugar como atalho para irmos a igreja.
Nossa brincadeira preferida nas férias, era empinar pipas, ou papagaios, como era chamada a pipa quadrada com enfeites laterais. Milhares destes papagaios podiam ser vistos colorindo o céu de Juiz de Fora. Para cada papagaio empinado, existia um grupo de meninos que ficavam ali apreciando as manobras aéreas e os cruzamentos com as outras pipas. Antes destes papagaios ganharem o céu, era preciso preparar o cerol que seria usado na linha. Para que o cerol ficasse bom, era preciso moer os cacos de vidro, até virarem pó. Era comum avistarmos nas linhas dos bondes, uma caixinha de fósforo sendo esmagada. Nestas caixinhas eram colocada os cacos de vidro de lâmpadas e depois era colocada nos trilhos. O melhor cerol era feito com estes procedimentos. Com técnica e um bom cerol, nós garantíamos a nossa pipa no céu por mais tempo.
A amizade de meus pais com os padres, os levaram a participar do Movimento Familiar Cristão, que era realizado na paróquia da Glória, onde aconteciam as reuniões duas vezes na semana. Este movimento consistia na ajuda onde casais experientes, transmitiam toda a sua experiência para outros que passavam por alguma necessidade, tanto financeira, ou mesmo desavenças familiar. Estes casais recebiam ajuda como leite em pó, que era doado por instituições norte americanas, eu me lembro que chegava lá em casa um monte de sacos com este leite, ou simplesmente recebiam uma ajuda com atos, ou palavras de conforto espiritual. Pelo menos uma vez por semana, o padre Jaime estacionava o seu jeep na porta da nossa casa, para apanhá-los. Cabia a mim, a missão de tomar conta dos meus irmãos nestas noites de ausência paterna. Lembro que o trabalho não era fácil. Colocar a galera para fazer os deveres de casa, conferir cada tarefa uma-a-uma, e depois dos dentes escovados colocá-los para dormir. Numa destas noites, caiu uma tempestade daquelas. Parecia o fim dos tempos. Relâmpagos iluminavam a nossa casa, e expunha com seu brilho tenebroso, as cruzes brancas dos túmulos, lá no cemitério. O cenário era macabro. Eu pedia para todos ficarem quietos que logo tudo passaria, mais eu mesmo era talvez o que estivesse com mais medo. Para piorar, faltou luz. Ai o caos ficou completo. O chororô foi geral. Minhas irmãs se atiram pra debaixo da cama, e eu só via os olhinhos brilhando com as lágrimas por causa dos clarões dos relâmpagos. No tato consegui encontrar velas e fósforos, aliviando assim a tensão. Aos poucos o temporal foi se dissipando e o sono caiu sobre todos. Meno para mim, que continuava morrendo de medo, olhando para aquele anão sentado na mesa da sala. Era o que parecia a farda que meu pai deixou no encosto da cadeira, que com o efeito das chamas das velas parecia se movimentar. Pouco depois o jeep chegou, e meus pais ao entrarem em casa, encontrou todos dormindo o sono dos anjos.

2 comentários:

  1. Porra tio!
    Tô imaginando a dor dessa sua Aki-69! rsrsrs
    Devia ser alucinante um temporal em frente ao cemitério, cena de filme! Rsrsrs
    Mto bom!
    Abçs

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  2. Descobri!!! é por isso que eu moooooorro de medo de temporal!!! Até hoje!!!

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