quarta-feira, 28 de julho de 2010

A história da brasília que foi a Salvador

Aconteceu comigo nas férias de janeiro de 1989.

Eu tinha um carro nada econômico, dava muitos problemas mecanicos, e era difícil encontrar as peças de reposição.

Eu estava planejando viajar para Porto Alegre, onde passaria o mês de janeiro na companhia dos parentes da mulher que eu era casado nesta época. Estava tudo certo. Férias marcadas no banco, o dinheiro reservado para as despesas, etc... O único problema era o carro.

Resolvi então vender o Dodginho e comprar um outro carro mais novo.
Anunciei o carro nos classificados dos jornais da cidade, e esperei que aparecessem os pretendentes.
Carro vendido, dinheiro na mão, sai a procura de um carro bom para comprar. O objetivo era procurar um que estivesse em condições para realizar esta viagem de cinco mil quilometros contando a ida e a volta.

Encontrei uma brasilia bege, que parecia estar em perfeitas condições. Pelo menos era o que aparentava.
Mesmo assim, com o carro rodando sem problemas pelas ruas de Brasilia, resolví fazer uma revisão de viagem. Escolhi a oficina do Bernardo, velho conhecido mecanico da família. Levei o carro até ele, e expliquei que estava de saída no sábado seguinte, para uma longa viagem com a família. Mulher e meus dois filhos pequenos, por isso não queria ter dor de cabeça nas estradas do sul.

Ele muito competente, falou um “deixa-comigo” e começou a procurar defeitos no barulhento motor da minha brasilia. Mexe daqui, mexe dalí, encontrou um vasamento de gasolina, no pé da base do carburador. Nada que um pedaço de barbante não resolvesse. Depois de uma manhã inteira dedicada a caça de defeitos, escutei dele a seguinte frase:

“Com esse carro voce pode ir até o Japão!”.

Só que antes teria de pagar a conta salgada desta manutenção.

Animado, na sexta-feira à noite, antes de dormir, arrumei tudo para a viagem, malas ajeitadas no compartimento, roupas de frio para o sul, mesmo sendo na época do verão. Pois dizem que por lá não se deve arriscar.

Acontesse que meu sogro chegou da rua com uma novidade. Havia recebido um convite de um amigo que lhe cederia um apartamento em Salvador, sem nunhuma despesa. Então, diante desta cortezia irrecusável, resolvemos partir em dois carros para a capital bahiana, onde pelos nossos cálculos chegaríamos na tarde do dia 31 de dezembro, podendo assim, assistir com folga, a queima de fogos da passagem de ano. Tudo combinado, marcamos a nossa saída para às nove horas do sábado. Isto porque o meu sogro não abria mão de uma noite bem dormida, e também não via vantagem em sair de madrugada, dizendo ele que a viagem tenderia a ficar cansativa, e consequentemente com perda de rendimento no decorrer do dia. Então certos, fomos descançar.

Quem disse que eu conseguí dormir?
A ansiedade tomou conta e me deixou sem sono e com uma tremenda dor de barriga.
Resumindo, não dormi, o meu sogro só queria sair depois do almôço, então por volta das quatro horas da tarde, com o sol rasgando sobre nossos capus, demos inicio a nossa viagem. Seriam mil e quinhentos km até Salvador. Era dia 30 de dezembro de 1988. Teríamos então um dia e meio para chegar a tempo de ver a festa da virada
.
16h – saida de Brasília. 16:50h – a brasilia quebra pela primeira vez.

O carro parou de vez, antes mesmo de chegar a cidade de Formosa. O motivo foi a caixa de voltagem que queimou. Encontrar uma loja que vendesse uma parecida já depois das 18h foi impossível. Então um mecanico vendeu uma recondicionada. Chegamos a cidade de Alvorada por volta das 22:00h. Eu estava esgotado e com muito sono. O pernoite foi numa pequena cidade ainda dentro do estado do Goiás.

Na manhã do último dia do ano, depois de uns pães de queijo com café, retomamos a nossa rota rumo ao nordeste. Os duzentos quilometros seguintes, foram percorridos com tranquilidade. Nada aconteceu. Mas, quando paramos para abastecer o carro, ele não pegou na chave, de jeito nenhum. Os caras da bomba empurraram e o carro entrou em movimento. Segui por mais uns 100km, com a luz do alternador acendendo e apagando, dando sinal de que alguma coisa não ia bem na parte eletrica do veículo.

A brasilia parou pela segunda vez.

Desta vez o pessoal ficou no posto, enquanto eu e meu cunhado procurávamos um mecanico que nos ajudasse a resover o problema. Encontramos um bahiano que pegou a sua caixa de ferramenta e seguiu com seu ajudante numa moto, até o local onde o carro ficou parado. Mexe daqui, mexe dalí ele consegui colocar o carro em movimento. Porém ele avisou que quando chegássemos a cidade mais próxima, deveriamos comprar uma caixa de voltagem nova, e também proceder a troca dos carvões do alternador e colocar uma distribuidor novo. Fazendo isto, segundo ele, não haveria mais problemas eletricos, e chegaríamos sem problemas a Salvador. Este foi o único mecânico honesto, ele cobrou o preço justo.
Paramos na primeira cidade que encontramos pela frente. O problema é que, devido ao feriado, as lojas estavam todas fechadas, e não conseguimos compra as peças.
Seguimos assim mesmo.
Estávamos bem perto de Salvador, quando as luzes do carro se apagaram do nada. Sem farol, não dava pra prosseguir. Meu sogro, minha sogra, meu cunhado e minha filha seguiram viagem. Eu fiquei parado numa oficina de beira de estrada, esperando a boa vontade de um bahiano semi-embreagado, que tentava entender o porquê dos faróis não acenderem.
As 23h ele conseguiu acertar o defeito, e depois de cobrar um preço exagerado pelo serviço (fui literalmente assaltado por este mecânico), pude enfim seguir viagem, chegando em Salvador juntinho com o novo ano. Os fogos explodiam na noite, como se quizessem brindar a minha chegada tão tumultuada a esta capital.

Essa história não termina aqui. Este é apenas um capitulo desta viagem desastrosa.

Quando cheguei em Salvador, depois das malas retiradas, estacionei a brasilia debaixo de um frondoso abacateiro. Jurei a mim mesmo que ela ficaria ali, paradinha, até o dia do retorno. E assim fiz.

Praia, cerveja, sol e muita curtição junto com meus filhos. As férias seguiam as mil maravilhas e eu nem lembrava que tinha um carro. Até que chegou o dia da volta. Por o carro novamente na estrada. Deu aquele desanimo, aquele medo. Desta vez só eu e a família. Não teria o outro carro para suporte, pois o pessoal resolveu ficar mais um pouquinho.
Tentei diversas vezes dar partida no carro, porém sem exito. Bateria arriada. Chamei os mecânicos indicados pelo pelo meu amigo Souto.Quando cheguei por volta das 9h na oficina, eles estavam todos dormindo debaixo de uma sombra. Acordei um deles e contei o problema com o carro. Ele me disse que iria ver logo após a siesta, pois tinha acabado de merendar.

Passado um tempo, eles chegaram. Eram três mecânicos e cada um deu um palpite.

- Meu rei! É bateria. Primeira opinião.
- Tem que dar uma carga. Disse o outro.
- Não vai resolver. Tem é que comprar uma bateria nova. Disse o mais experiente.

Terminei indo pela opinião deste último, e comprei a bateria nova, junto com a caixa de voltagem, uma caixa de fusível e lâmpadas de reserva. Com o carro concertado, e já depois de termos feito uma leve refeição, partimos rumo a Brasília. Os primeiros 80km o carro foi sem problema. Respondia bem, não havia sinal de luz de aviso, nenhum defeito. Então eu pisei fundo no acelerador, para descontar o tempo perdido. Segui a viagem a 140km/h.
Antes mesmo de ter rodado 120km, o motor não resistiu e fundiu.
O cheiro de ferro fundido misturado com o de óleo queimado, tomou conta do veículo, e arrancou tosse dos passageiros. Até que ele parasse, foi uma eternidade. Um barulho ensurdecedor que mais parecia um filme de guerra americano cheio de efeitos especiais.
Nesse momento eu me ví com duas crianças no meio da estrada, sob um sol fortíssimo queimando em cima das nossas cabeças. A temperatura girava em torno dos 35º sem nenhuma sombra.

* É nessas horas que aparecem pessoas enviadas a esta terra pra fazer caridade, e nos mostrar que Deus existe.

Um senhor que viajava sòzinho numa kombi, parou para nos prestar socorro. Sensibilizado com a nossa situação, gentilmente se ofereceu para nos levar até Salvador. Antes eu cuidei de empurrar o carro para dentro de um haras que ficava ali em frente de onde o carro parou. Uma moça abriu os portões e disse que cuidaria até que eu voltasse para apanhá-lo.

Este senhor da kombi, nos deixou na porta de casa, e só cobrou o preço do combustível.

À tarde fui com os três mecânicos buscar o carro.

Em Salvador, retiraram o motor e levaram para ser retificado. Deixei os pré-datados com o dono e fui comprar as passagens de ônibus.
Nos acomodamos em duas poltronas e fizemos uma ótima viagem.

Quando cheguei soube da notícia de que meu pai havia sofrido um AVC, e que estava em casa se recuperando. Por coincidência ele passou mal exatamente na hora em que acontecia o problema com o carro.

Dias depois chegam os três mecânicos com meu carro concertado. Traziam notas de combustível muito além da realidade.

- Meu rei, carro com motor amaciando gasta mesmo!

Traziam notas de conserto de pneus.

- Estrada ruim, meu rei!

Nota da compra de um pneu meia-vida. Notas de almoço em restaurantes da estrada. Notas de serviço da montagem do motor. Notas da mão-de-óbra pelos serviços.

Eram tantas notas, que eu precisava vender a brasilia para pagar os empréstimos que fui obrigado a fazer.

Mas não deu tempo. Ela foi roubada na comercial da 306 norte, enquanto eu jantava com Hugo e Liliah.

8 comentários:

  1. affffffff Gula, essa realmente não era pra ser sua!!!
    kkkkkkkk

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  2. Parece um Peugeout que a gente teve... hahaha mas esse infelizmente não foi roubado. Eu sei exatamente como era a sua sensação!!! Pode ter certeza!
    Abração tio!

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  3. Grande Bernardo, uma vez trocou a balança do chevette e só apertou um dos três parafusos, no primeiro buraca da chacara a roda caiu.
    Mas que maravilha poder passar por experiências assim, já pensou como seria sem graça a vida sem essas aventuras.
    Hoje carro zero só viaja de avião.

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  4. Gulla,
    quase morro de rir!!! O que a gente não faz nessa vida hein?? Nem pensar sair de viagem com um carro assim agora!! Meu Deus!!!
    Adorei!!1

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  5. Hoje ri, mas já fiquei muito brava com estes defeitos de carro velho. Sem contar com os roubos dos mecanicos.Pagamos todos os pecados com o pegeout, alias pago até hoje, recebendo multas, não consigo que quem comprou transfira o carro.
    rsrsrs

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  6. Nossaaaaa tio... agora que já passou dá pra imaginar rindo, mas faço idéia da confusão e da dor de cabeça que isso não foi... mas como disse o tio Biguinha, o que seria da nossas vidas sem histórias pra contar, né?!!
    E pelo visto vc tem mtaaa né?!!
    Já li alguns, mas não tive tempo de comentar... prometo que farei mais vezes... continue firme e forte... tá ótimoooooooo!!!
    Bjãooooo

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  7. Tá louco ai não era de se rir não rssss foi tenso e olha que eu era novinho e ainda não em recuperei do trauma (odeio o carro brasília) não sei por que?

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