sábado, 26 de março de 2011

Tres noites.

O que mais me impressionou foi o estado da cerca por onde entravam e saiam os cães. Dei um jeito nela com alguns pedaços de arames que encontrei no chão. Depois, já dentro da casa pude observar a sujeira que se amontoava nos cantos das paredes esburacadas e mofadas. Uma das pilastras estava em péssimo estado de conservação, porém não representava perigo, porque apesar do desgaste, a madeira era de boa qualidade e a casa não corria o risco de desabar.
Foi meu amigo que me deu a notícia da compra da casa nova. O dinheiro foi o avô quem deu. Eu não sabia que ele juntava tanto dinheiro. Pensei que a casa fosse mais simples, porém, era a mais bonita da rua. Vi os antigos donos fazendo a mudança das tralhas. Sua neta estava entusiasmada assim como aquela senhora sua mãe que acenou para mim lá de dentro do quarto. Só não vi as crianças. Ou as vi e não dei muita atenção. Os quartos estavam molhados demais para alguém passar a noite ali. Cheguei mesmo a ser convidado e confesso que senti um nostalgico desejo de me acomodar ali ao lado daquela mulher e esperar pelas crianças. Mas estava angustiado demais, tinha o meu próprio lar e já estava sentido a falta dele. Na saída vi a mulher dentro do quarto, de onde ela não saia para nada, com os seus outros filhos que até então eu nem sabia que estavam lá. Ela sorriu e acenou para mim. Da calçada, dei a última olhada na cerca arrumada. Ficou a sensação de que as portas estariam sempre abertas para mim sempre que eu quisesse.

Fui para casa me lembrando do céu que vi na noite anterior. Limpo e repleto de estrelas brilhantes. A impressão que dava era de que elas mudavam constantemente de lugar uma com as outras. Pareciam riscos de giz num quadro-negro de escola. Na rua, os carros de som apresentavam os cantores de seresta, que orgulhosos não se cansavam jamais de cantar as lindas modinhas. O menino de cabelo dourado se apegou comigo de um jeito, que parecia ser meu filho. Talvez porque ele nunca teve um pai, ou até por que a sua mãe vivia muito ocupada com a própria sobrevivência. Esta casa sim, era muito pobre e ficava na última rua do bairro mais distante. Em compensação, na parte de trás do velho prédio, a mais linda das noites se apresentou para mim.

Parece que eu voava sobre as ondas como um surfista nos céus, e até tive a sensação de alguem que salta de um avião sem para-quedas. Por muito tempo observei gatos em cima dos telhados. Mas no pouso não senti nenhum impacto que me levasse a dor. Minha mãe e meus irmãos me aguardavam ansiosos, e eu entrei silenciosamente pela janela do meu quarto. As cobertas de lã ainda estavam quentes apesar do frio que fazia lá fora. E, de repente, amanheceu.

4 comentários:

  1. Maravilhoso, Gulla! Esse conto é de uma carga poética incrível! Me lembrou alguns contos que li da autora Katherine Mansfield.
    Continue por favor!!!

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  2. Olá!
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